#2: Eles estão entre nós (e não é paranoia)
Boletim mensal da Biblioteca Terra Livre, publicado a cada último sábado do mês.
Olá!
Agradecemos a todos e todas que apoiaram a estreia do nosso boletim. Foi uma surpresa muito positiva a boa recepção do primeiro número!
Trazemos agora nosso segundo boletim. Comentamos aqui sobre um recente caso de infiltração policial em Barcelona e a greve de fome de Alfredo Cospito. Também trazemos as novidades do mês para você conferir.
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Bom proveito!
E lá se foi o carnaval…
É hora de tirar o glitter do corpo e guardar as serpentinas. O carnaval acabou e, para lamentação tanto dos foliões como dos resguardados, a labuta volta com longas cinco semanas sem um feriado pela frente.
A suspensão do trabalho durante o Carnaval é o tema da crônica de Rafael Barrett. Em um texto de 1908, o anarquista radicado no Paraguai deu um tom literário e libertário para a festa popular:
Alfredo Cospito: vítima do terror do Estado italiano
Desde 20 de outubro de 2022, há mais de quatro meses, Alfredo Cospito está em greve de fome. Foi a forma que encontrou para denunciar a violência promovida pelo Estado italiano através do artigo 41-bis. Esse dispositivo legal é um dos instrumentos mais bem acabados para a aplicação do terrorismo de estado na Europa.
Criado na década de 1990 com a justificativa de enfrentar grupos mafiosos, o artigo 41-bis praticamente priva o detento de qualquer contato social. A pessoa é isolada em uma cela e as visitas se limitam a poucas horas por mês por meio do contato indireto. Toda a comunicação para fora da prisão é proibida, seja por cartas ou envio de livros. A ideia é levar o detento a uma situação limite para realizar delações e envolver outros militantes criminalmente.
Cospito, em uma audiência, comentou sobre a perseguição sofrida por ele:
“Enterrado definitivamente com prisão perpétua, que não tenho dúvidas que me darão, com a absurda acusação de ter cometido um “massacre político”, por dois ataques de denúncia no meio da noite, em locais desertos, que não deviam e não podiam ferir ou matar ninguém e que de fato não feriram nem mataram ninguém.”
Sobre os detalhes envolvendo o caso de Alfredo Cospito, recomendamos o vídeo no Antimidia:
Vale lembrar a longa tradição de terrorismo de Estado na Itália. Desde o século XIX houve momentos de suspensão constitucional e leis específicas de criminalização do anarquismo. Após o regime de Mussolini, o fascismo ganhou caras mais aceitáveis e sedimentou-se no Estado. Na década de 1970, conhecido como os “anos de chumbo”, o serviço secreto junto de organizações de extrema-direita fizeram atentados e responsabilizaram grupos anarquistas e comunistas. É nesse contexto de criminalização que surge o caso de Cesare Battisti, atualmente preso após quatro décadas de busca por justiça. Battisti chegou a passar por celas isoladas, mas não passou pelo 41-bis.
No dia 24 de fevereiro, a Suprema Corte negou o pedido da defesa de revisar o regime carcerário de Cospito. O Estado italiano, atualmente comandado pelo neofascismo de Meloni e Salvini, foi indiferente aos protestos de várias partes do mundo, incluindo artistas italianos de grande alcance. Alfredo já está fraco após perder mais de quarenta quilos e não sabemos quanto tempo mais ele irá suportar.
Novo som do Ktarse
Mano o sistema é sem massagem
Olha ao seu redor e me diz com sinceridade
Quantos na quebrada vive com tranquilidade
Sem receio de ir parar atrás das grades?
De Balta a Dani, a vigilância segue ativa
No último mês, veio a tona uma revelação que mexeu com os movimentos sociais de Barcelona. Por mais de dois anos, um policial se passou por ativista e circulou por espaços anarquistas. Ele se passava por Daniel Hernández Pons, conhecido como Dani.
Segundo apurou o Directa, o policial - cujas iniciais também são DHP - iniciou sua infiltração participando da ocupação La Cinetika. Começou a fazer amizades e, depois de alguns meses, passou a ter relações afetivas e sexuais com companheiras envolvidas com projetos políticos por meio do aplicativo OkCupid. Clara, uma militante anarquista do La Cinetika, afirmou em entrevista que Dani se passava como um cara “extrovertido, atencioso, muito gentil com todos e disposto a ajudar. Ele era muito legal e falador. Ganhou a confiança de todos com facilidade e até ele me disse que as pessoas vinham contar a ele "seus dramas". Ele cuidou muito de mim e foi um protótipo de um cara que você acha que não existe.” Ao saber que seu ex-companheiro nunca existiu de verdade, ela relatou que se sentiu “muito usada” e com “muito medo e ansiedade.”
Ano passado, o Directa já havia relatado a presença de outro policial infiltrado em movimentos sociais na Catalunha.
O caso da infiltração de Dani é muito semelhante ao recente caso aqui no Brasil. Em São Paulo, o militar Willian Botelho se fez passar por um ativista chamado de Balta Nunes. Sua presença esteve diretamente ligada à prisão de quase vinte ativistas em 2016, antes de um ato contra o governo Temer. Para ganhar a confiança entre ativistas, usou o aplicativo Tinder, utilizando mulheres como instrumentos para que seu personagem tivesse um lastro de credibilidade.
Na época, Willian Botelho era capitão do exército, mas já foi promovido a major. Anos antes da sua infiltração, publicou um artigo na revista da Escola de Inteligência Militar do Exército sobre “A inteligência em apoio às operações no ambiente terrorista”.
As histórias de Dani e Balta Nunes nos servem para lembrar que o tema da infiltração policial está longe de ser uma paranoia ou teoria da conspiração. Sim, eles estão entre nós. Precisamos assumir esse fato não para criar desconfiança entre nós, mas sim para não negligenciarmos a segurança. Ainda em 2016, a repórter Marina Rossi - uma das responsáveis por trazer a denúncia da infiltração do Balta Nunes - afirmou que o caso era a ponta do iceberg e a rede de espionagem era muito maior do que o episódio. Depois de quatro anos de governo militar e do fortalecimento de órgãos de inteligência, é preciso não fugir dessa realidade.
O que é uma editora autônoma?
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Depois de um ínterim devido à loucura do cotidiano, gravamos um novo episódio do Leituras Libertárias. A ideia do podcast é trazer aos ouvintes textos curtos escritos por anarquistas, apresentando ideias e autores de maneira rápida.
Com o crescimento do fascismo, o patriotismo tem ganhado força mundo afora. Trazemos as reflexões de Élisée Reclus em torno de uma pergunta: o patriotismo é incompatível com o amor pela humanidade?
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A crise humanitária no território yanomami tem se agravado desde os anos 1980 em decorrência dos conflitos por terra envolvendo povos tradicionais, garimpeiros, agronegócio e tráfico de drogas. Como entender as dinâmicas territoriais deste conflito? Falamos um pouco do histórico da luta pela terra no Brasil e as formas de solidariedade como contraponto ao conflito. Quer saber mais? Vem com a gente!
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